16 de janeiro de 2011

As doze tarefas de Hércules


Os doze trabalhos de Hércules são uma série de episódios arcaicos ligados entre si por uma narrativa contínua, relativa a uma penitência que teria sido cumprida por um dos maiores heróis gregos, Héracles, mais conhecido em português pela romanização Hércules. Os antigos gregos atribuíam o estabelecimento de um ciclo fixo de doze trabalhos a um poema épico, já perdido, escrito por Peisândro de Rodes, e que dataria de 600 a.C.

Da maneira em que são conhecidos atualmente, os trabalhos de Hércules não são contados num único lugar; foram reunidos a partir de fontes diferentes. De acordo com os mitólogos Carl A. P. Ruck e Blaise Daniel Staples, não há uma maneira específica de interpretar os trabalhos; pode-se inferir apenas que seis deles se passam no Peloponeso, e culminaram com a rededicação de Olímpia. Outras seis levaram o herói até terras mais distantes, quase sempre lugares relacionados à deusa Hera, além de entradas para o Hades, o mundo inferior, habitado pelos mortos. Todos os trabalhos seguiam o mesmo modelo: Hércules era enviado para matar, subjugar ou buscar uma planta ou animal mágico para Euristeu, representante de Hera.
Segue um resumo das tarefas:

Hércules casou-se com Mégara e desse casamento nasceram alguns filhos. Hera, ainda desejosa de vingar-se do adultério de Zeus, fez com que o herói, num acesso de loucura, matasse-os todos, juntamente com sua própria mãe e os filhos de seu irmão Íficles.

Contaminado por aquele morticínio e desejando se purificar, Hércules se dirigiu ao oráculo de Delfos a fim de consultar o deus Apolo através de sua sacerdotisa, a Pítia. Para expiar1 seu crime, a sacerdotisa lhe disse que ele deveria se colocar a serviço de seu primo Euristeu por doze anos; por outro lado, com isso conseguiria a imortalidade.

O herói obedeceu às ordens de Apolo. Euristeu, que era rei de Micenas, temia que seu primo Hércules quisesse tomar-lhe o poder e resolveu, então, dar-lhe doze tarefas que pareciam impossíveis de realizar. Contava, assim, ver-se livre daquele homem que lhe causava tanto medo.

O primeiro trabalho de Hércules foi matar o leão de Neméia, um animal monstruoso, que devorava homens e rebanhos. Esse animal, quando não estava atacando, escondia-se numa caverna. Primeiramente, o herói tentou feri-lo com flechas, mas a pele do leão era invulnerável e nada sofria com esse ataque. Depois, deu-lhe, com sua clava,2 fortes golpes e sufocou-o entre seus braços. Morto o leão, Hércules tirou-lhe a pele e se cobriu com ela. Finalmente, Zeus transformou o animal em constelação.

Como segundo trabalho, Hércules teve de matar a Hidra de Lerna, uma serpente com várias cabeças (humanas, segundo alguns!) que devastava as terras por onde passava. Seu hálito era mortífero,3 e suas cabeças renasciam em dobro quando cortadas. Além disso, a cabeça do centro era imortal. Mas, com a ajuda de seu sobrinho Iolau, o herói venceu o monstro. De fato, enquanto ia cortando as cabeças da Hidra, Iolau queimava as feridas, impedindo, assim, que da carne machucada nascessem novas. Por fim, Hércules cortou a cabeça do meio, enterrou-a e pôs-lhe por cima um enorme rochedo. Morto o monstro, o herói embebeu suas flechas no seu sangue venenoso, tornando-as também envenenadas.

A terceira tarefa de Hércules foi trazer vivo um enorme javali que vivia na montanha chamada Erimanto, a Arcádia, uma região da Grécia. O herói o fez com facilidade, atraindo o javali para fora de sua toca e fazendo-o caminhar pela neve até se cansar. Aí, capturou-o e levou-o nos ombros até a cidade de seu primo, que lhe ordenara aquele trabalho. Quando chegou com o animal, Euristeu, apavorado, saiu correndo e se escondeu dentro de um jarro de bronze.

Trazer viva a corça do monte Cerinia foi o quarto dever imposto a Hércules. Era, também, um animal gigantesco, mais forte que um touro, e devastava as colheitas. Tinha chifres dourados, pés de bronze e era velocíssima. O herói não podia matá-la, pois era um animal consagrado à deusa Ártemis. Hércules perseguiu-a durante todo um ano, em vão. Um dia, porém, quando ela, já cansada, foi atravessar um rio, Hércules conseguiu feri-la com uma flecha e capturá-la. E levou-a a Euristeu, cumprindo mais uma tarefa impossível a um mortal qualquer.

Matar as gigantescas aves do lago Estínfalo foi o quinto trabalho de Hércules. Eram em grande quantidade e devastavam colheitas e pomares. Diziam alguns que eram antropófagas, com penas de aço que feriam o inimigo como se fossem setas. Para liquidá-las, Hércules tinha de as fazer sair da espessa floresta, perto do lago Estínfalo, em que se ocultavam. Teve uma grande idéia: com castanholas de bronze, fez um barulho tal, que as aves saíram daquele esconderijo. Então, usando as setas envenenadas com o sangue da Hidra de Lerna, Hércules as matou uma por uma.

O sexto trabalho consistiu em limpar os estábulos do rei Augias, que tinha um imenso rebanho, com milhares de cabeças. Esse homem não limpava as instalações havia trinta anos. O estrume não era aproveitado como fertilizante nas lavouras, e as terras iam ficando estéreis com o passar do tempo. Hércules fez uma aposta com Augias: receberia uma parte de seu rebanho se conseguisse limpar os estábulos em apenas um dia. Julgando que aquilo era impossível, o rei prontamente aceitou a aposta. Hércules, então, desviou a corrente de dois rios para os estábulos e, com a maior rapidez, conseguiu limpar toda a sujeira acumulada ao longo dos anos.

Um touro enlouquecido, que soltava fogo pelas ventas, devastava a ilha de Creta. O sétimo trabalho de Hércules consistiu em capturá-lo e trazê-lo vivo a seu primo Euristeu. Esse, por sua vez, quis consagrá-lo a Hera, mas a deusa, ainda colérica contra Hércules, recusou, e o animal foi solto.

A oitava proeza do herói consistiu em capturar as éguas de Diomedes, o rei da Trácia. Diomedes aprisionava os estrangeiros que vinham ter a seu país e com sua carne alimentava os quatro animais. Hércules matou o rei e deu seu corpo às éguas para ser devorado por elas.

A filha de Eristeu, Admeta, desejava para si o cinto da rainha das amazonas, Hipólita; obtê-lo foi o nono trabalho de Hércules. As amazonas eram mulheres guerreiras, descendentes de Ares, o deus da guerra, e tinham uma comunidade formada apenas de mulheres. Lutavam com grande bravura. Para se apoderar do cinto da rainha, Hércules teve de lutar com aquelas mulheres e matar Hipólita.

Trazer os bois do imenso rebanho de Gerião, um gigante de três cabeças, foi a décima proeza do herói. Para isso, Hércules teve de ir até a ilha de Eritia, atravessando o Oceano. Como conseguiria isso? Foi preciso empregar a enorme taça do Sol; nela, todos os dias o Sol embarcava de volta para seu palácio no Oriente depois de ter, ao cair da noite, chegado ao Oceano. O Sol só lhe emprestou sua taça quando Hércules, irritado com o calor ao atravessar um deserto, ameaçou atingi-lo com suas flechas. No Oceano, tão agitadas estavam as ondas, que Hércules teve de fazer também a mesma ameaça a ele para que se acalmasse. Em Eritia, nos confins do Ocidente, Hércules matou, com sua clava, o cão Ortro, um animal monstruoso, e o pastor Eritíon, que guardavam o rebanho. Gerião tentou resistir, mas as setas de Hércules o venceram. Os animais que oherói conseguiu fazer chegar até Euristeu foram sacrificados a Hera.

O décimo primeiro trabalho parecia realmente impossível: descer ao reino dos mortos, ao sombrio Hades, e capturar o cão Cérbero. Esse animal aterrorizante, com três cabeças e as costas e o pescoço cobertos de serpentes, impedia a entrada de vivos naquelas regiões bem como a saída dos mortos. O deus Hades consentiu que Hércules levasse Cérbero com a condição de que não usasse armas. Hércules, então, atacou o cão, segurou-o pelo pescoço e, com a cauda do animal, que tinha um ferrão, deu-lhe várias picadas. E pôde sair dos Infernos e levar a Euristeu a estranha presa. O primo, à vista daquele ser monstruoso, saiu correndo, apavorado e foi se esconder em seu jarro de bronze... O herói devolveu Cérbero a Hades.

O último dos doze trabalhos foi trazer maçãs de ouro do jardim das Hespérides. Essas maçãs tinham sido o presente de casamento, oferecido pela Terra, nas bodas de Zeus e Hera. A deusa as plantara no jardim dos deuses e, para proteger a árvore e os frutos, deixara-os sob a guarda de um dragão de cem cabeças e das três ninfas do Poente, as Hespérides. No caminho para o jardim, Hércules, dentre outras façanhas, libertou Prometeu do rochedo a que estava encadeado. Prometeu, em reconhecimento, advertiu-lhe que a única maneira de conseguir colher os frutos era através do gigante Atlas, que sustentava o céu sobre os ombros. Ao encontrar Atlas, Hércules fez-lhe uma proposta: seguraria o céu em seu lugar por algum tempo, enquanto o gigante iria colher três maçãs do jardim das Hespérides, que ficava perto. E assim aconteceu. Atlas, porém, queria levar pessoalmente as maçãs a Euristeu, enquanto o herói ficaria suportando o peso do céu. Hércules fingiu concordar, mas usou de esperteza para escapar a essa situação: pediu ao gigante que segurasse aquele fardo por alguns momentos para que ele pudesse colocar uma almofada sobre os ombros. Atlas voltou a segurar o céu — para sempre..., enquanto Hércules partia, de volta à pátria de Euristeu. Levadas ao rei, as frutas foram oferecidas a Hera, que as pôs de volta em seu jardim.

Assim se cumpriram os doze trabalhos de Hércules, doze proezas impossíveis para os mortais comuns.

Significado: O acadêmico alemão Walter Burkert chamou os trabalhos, juntamente com os outros mitos sobre Hércules, de "um conglomerado de contos populares que foram explorados apenas de maneira secundária pela grande arte da poesia", e afirmou que não foi até o fim do século V que os poetas da era clássica puderam trazer o mito para "uma atmosfera mais trágica, heróica e humana, afastando-o de seu impulso natural rumo a um reino descompromissado, além do humano". À medida que os feitos sobre-humanos de Hércules, sempre a vencer a morte, passaram a adquirir simbolismos filosóficos, morais e, eventualmente, alegóricos, por trás de seus significados literais, a figura do herói passou a representar uma tradição mística interior, e os trabalhos foram interpretados em termos de uma jornada espiritual. Os últimos três trabalhos, em particular, seriam considerados metáforas sobre a morte. Hércules foi único entre os heróis gregos, na medida em que não se conhecia a localização de sua sepultura, e portanto os sacrifícios e libações eram-lhe oferecidas em todos os lugares.

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